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domingo, 5 de novembro de 2017

A REVOLUÇÃO POLONESA DE 1980


A REVOLUÇÃO POLONESA DE 1980

Nildo Viana


A chamada “revolução polonesa”, de 1980, é palco de diversas interpretações e análises, como geralmente ocorre com as experiências históricas de radicalização das lutas de classes. O entusiasmo de diversos setores da sociedade e intelectuais de diversas posições políticas é algo que foi comum no início da década de 1980. Além de vários partidos, grupos e intelectuais progressistas (social-democratas, bolchevistas, trotskistas, acadêmicos, liberais-democratas, etc.) e também conservadores (especialmente os liberais e “anticomunistas”). A motivação para tal, obviamente, era diferente nos dois casos, além de diferenças internas nas duas posições. Alguns revolucionários também saudaram a experiência polaca por ser um processo que poderia culminar com a transformação radical e total da sociedade polonesa, bem como colocar em evidência a autogestão como projeto alternativo de sociedade.
Contudo, as coisas são mais complicadas do que parece. E posições políticas diferentes e até opostas, ou, ainda, antagônicas, apoiarem uma determinada experiência histórica, mesmo que sob formas distintas e outros processos (ressalvas, etc.), já demonstra a complexidade da situação. O nosso objetivo é apresentar alguns elementos básicos da experiência polonesa para analisar se ela possuiu um caráter revolucionário e autogestionário.
Capitalismo Estatal e Luta de Classes na Polônia
O primeiro elemento a ser abordado é entender que a experiência polonesa de 1980 surgiu no interior de um capitalismo de Estado e não num capitalismo privado, o que já traz diferenças importantes, e num processo de lutas de classes radicalizadas que periodicamente ocorriam neste país. Não poderemos aqui discutir os elementos fundamentais do capitalismo de Estado e nem sua história na Polônia, mas tão somente mostrar alguns aspectos que são importantes para a análise da luta de classes desencadeada em 1980 e seu caráter.
O capitalismo estatal polonês emerge após a Segunda Guerra Mundial e sob a tutela da União Soviética. O capitalismo de Estado que emergiu na Rússia a partir do golpe de Estado de outubro de 1917 acabou gerando um bloco de países vivendo sob o mesmo regime e através de uma hierarquia que a colocava como a grande potência no seu interior. O que foi denominado por alguns como o “imperialismo soviético” era uma realidade, apesar das diferenças entre as relações do bloco imperialista do capitalismo privado e as relações imperialistas no bloco capitalista estatal.
A hierarquia no bloco capitalista estatal convivia com diversos países (e algumas contradições internas, sendo que a antiga Iugoslávia e a China foram as principais forças internas dissidentes) e cada um possuía sua especificidade. O capitalismo estatal se organiza diferente do capitalismo privado. A produção e apropriação de mais-valor se faz pela mediação burocrática e controle por parte da burocracia superior. O partido (chamado de “comunista” na maioria dos países, mas possuindo outros nomes dependendo do caso) usava a nomenclatura como forma de controlar o aparato estatal e adquirir privilégios para a classe dominante[1]. A classe dominante, no capitalismo de Estado, não é a burguesia privada e sim a burguesia burocrática, também chamada de burguesia estatal. Ambas são a mesma classe, mas se diferenciam por uma se fundar na propriedade privada do capital e a outra na propriedade coletiva burocrática (estatal) do mesmo. É através do aparato estatal que se drena mais-valor e se apropria de parte dele como renda e parte para a reprodução ampliada do capital.
Essa burguesia burocrática realiza a fusão das funções da classe capitalista e da classe burocrática numa só classe social. Assim, a apropriação do mais-valor e acumulação de capital é realizada pela mesma classe social que deve controlar o conjunto da população através do aparato estatal. Além da burguesia burocrática, que é a classe dominante, há também o proletariado, classe explorada e produtora de mais-valor, existiam duas classes sociais importantes na Polônia: a intelectualidade e o campesinato. O campesinato está submetido à troca inequivalente por que seu mercado consumidor é quase que totalmente o aparato estatal, que é também seu “banco”, seu fornecedor, etc. A intelectualidade, por sua vez, é subordinada à burguesia burocrática, seja a universitária, a dos ministérios, etc. A burguesia burocrática possui várias divisões: partidária, sindical, etc. A acumulação de capital é realizada sob seu controle, mas, ao contrário do que no capitalismo privado, sua dinâmica é irregular. Essa irregularidade da acumulação se deve ao fato de que, no capitalismo estatal, a burguesia burocrática tem um controle muito maior sobre as relações de produção e relações de distribuição, além de coordenar burocraticamente todo processo de reprodução ampliada do capital. Assim, a incompetência ou outros processos (pressão externa, pressão interna, escassez, empréstimos externos, etc.) tem um peso muito maior na dinâmica da acumulação capitalista no capitalismo estatal. Não poderemos desenvolver aqui uma análise mais profunda do regime de acumulação estatal, mas estes elementos básicos já permitem compreender a diferença entre a acumulação de capital do capitalismo privado e do capitalismo de estado.
Uma outra distinção em relação ao capitalismo privado que é importante ressaltar é que, tal como na União Soviética, um regime ditatorial existia e se autodeclarava “democracia popular”, usando alguns mecanismos discursivos e burocráticos, como a existência de mais de um partido político (subordinado e sem a menor condição de competir com o partido comunista), de sindicatos e até de “conselhos operários”.
Ao lado, o que é outro elemento diferenciador importante, havia a debilidade da sociedade civil organizada, quase inexistente, tendo a Igreja como única instituição não-estatal com força política e social. Isso, sem dúvida, sufocava a produção intelectual. A classe intelectual estava subordinada ao aparato estatal e por isso não tinha autonomia intelectual suficiente, sendo que o Estado era o único empregador e ao mesmo tempo controla as universidades, escolas, centros de pesquisa, publicações, imprensa em geral, etc. A ideologia oficial era o leninismo (chamado ideologicamente de “marxismo”-leninismo) e esta era reproduzida pelo aparato educacional.
Esse processo cria uma especificidade na luta de classes na Polônia (e, com as devidas diferenças, em todos os países de capitalismo estatal, em relação ao que ocorre no capitalismo privado). A ideologia oficial se autointitulando de “marxismo” e afirmando que o regime existente é “socialismo”, cria um sério obstáculo para o desenvolvimento da consciência revolucionária do proletariado. Esse obstáculo ocorre com a resistência criada ao marxismo ao ser substituído substancialmente pelo leninismo, mas não formalmente. O pseudomarxismo leninista se torna ideologia oficial e legitimadora de um regime ditatorial e assim perde o atrativo e gera resistência nos meios proletários e outros setores contestadores. Inclusive em alguns cria, também, uma certa atração pelo “oposto”, isto é, o capitalismo privado.
O leninismo, que quando lança mão de algo do marxismo o faz deformando e empobrecendo, também anula sua capacidade explicativa da realidade do capitalismo estatal. Assim, as teses do “período de transição”, “partido de vanguarda”, “manutenção da lei do valor no socialismo”, entre diversas outras, que são elementos da ideologia leninista, acabam impedindo a percepção do caráter capitalista destes países.
Segundo a doutrina oficial, vivemos em um país socialista. Esta tese se baseia na identificação da propriedade estatal dos meios de produção com a propriedade social. O ato de nacionalização transferiu a indústria, os transportes e os Bancos à plena propriedade da sociedade e as relações de produção baseando-se na propriedade social seriam por definição socialistas (MODZELEWSKY e KURON, 1971, p. 27).
Essa ideologia é dominante e amplamente hegemônica, tendo poucas vozes discordantes:
Este raciocínio parece ser marxista. Na realidade, introduziu-se na teoria marxista um elemento que lhe é profundamente estranho, ou seja, a concepção formalista e jurídica de propriedade. A noção de propriedade estatal pode dissimular conteúdos diferentes de acordo com o caráter de classe do Estado. O setor estatal da economia nacional nos países capitalistas não possuem nada em comum com a propriedade social. Isto é assim não somente porque existem, além desse setor, sociedades capitalistas privadas, mas, sobretudo, porque o operário da fábrica pertencente ao Estado está privado de toda a propriedade real, pois não tem a menor influência  sobre o Estado e não possui, por conseguinte, nenhum controle sobre seu trabalho e sobre o produto deste. A história conhece exemplos de sociedades de classes, com seus antagonismos, nos quais a propriedade estatal dos meios de produção era predominante (o modo de produção “asiático)” (MODZELEWSKY e KURON, 1971, p. 27).
A citação dos dois sociólogos poloneses acima é apenas para demonstrar que existiam dissidentes e intelectuais que caracterizavam o regime polonês sob forma diferenciada. No entanto, com alguns equívocos, mas isso será retomado adiante. O que interessa é que a crítica acima só foi estabelecida graças a uma superação da hegemonia leninista, mesmo que de forma limitada e parcial. Outros, no entanto, recusaram completamente o marxismo por acreditar em sua correspondência com o capitalismo estatal.
Assim, a luta cultural na Polônia era, desde 1945 até 1980, extremamente desfavorável ao proletariado, que, inclusive, praticamente não tinha expressão teórica e política. Isso, no entanto, não abolia as contradições e luta de classes, bem como os esboços de luta cultural e avanço na luta operária. Antes de 1980, várias lutas radicalizadas foram realizadas na Polônia.
Em 1956 houve uma revolta operária em Poznan. Nessa cidade, um ano antes, um grupo de operários (na fábrica de automóveis Zeran) cria um coletivo cujo objetivo é compreender a sociedade (“Ver a vida como ela é”) e um grupo de intelectuais mais jovens criam o seminário Po Prostu (“Simplesmente isso”), bem como “Clube Tordu” e em 1956 surgiu o Centro Nacional de Cooperação Interclubes (NASCIMENTO, 1988). A revolta de 1956 foi provocada pelo aumento das cotas de produção e redução salarial e foi marcada por greves, reivindicações, reflexões, formação de conselhos operários[2].
Em 1968 ocorre uma revolta estudantil. Desde 1963, diversos setores da intelectualidade (desde conservadores e católicos até reformistas diversos) entraram em conflito e foram reprimidos e presos pelo aparato estatal (CLAUDÍN, 1983). Em 09 de março de 1968 iniciaram as “greves” estudantis e houve a ocupação da faculdade, tendo apoio de diversos operários, inclusive com greves de solidariedade (NASCIMENTO, 1988).
Em 1970, com o anúncio do aumento de preços em até 30% dos produtos de primeira necessidade, há o desencadeamento de um amplo movimento de resistência. Ocorre a formação de comissões operárias, realização de greves, incêndios, saques, etc. O aparato estatal usa a força para derrotar o movimento.
A partir de 1976, apesar do avanço no processo de acumulação de capital, há um processo de mobilização da intelectualidade e do movimento operário. A classe intelectual e os estudantes sempre foram setores da sociedade que apresentavam reivindicações e desencadeavam protestos, bem como sofriam repressão. Um movimento grevista e algumas lutas operárias também ocorreram nesse período, o que faz alguns autores tratar da aliança entre intelectuais e proletários (CLAUDÍN, 1983; NASCIMENTO, 1988). O conjunto de ações desse período acabou gerando o KOR (Comitê de Defesa Operária), que muitos atribuem importância na constituição do Sindicato Solidariedade, posteriormente. O KOR oferecia apoio jurídico, financeiro e médico aos operários vítimas de repressão e posteriormente começa a lançar um jornal, divulgar a necessidade de sindicatos livres, entre outras atividades.
Esse breve panorama da Polônia, do capitalismo estatal e da luta de classes é importante para compreendermos a fase seguinte da luta operária, em 1980. A sociedade civil organizada era extremamente frágil, contando com a Igreja como instituição mais independente e influente e, derivado das lutas sociais, algumas poucas vozes dissidentes e organizações, sendo que o KOR, em 1976[3], se torna mais eficaz do que as iniciativas anteriores.
A Revolução Polonesa de 1980
Em 1980 inicia uma nova onda de greves na Polônia. O estopim foi um novo anúncio de aumento de preço dos alimentos. O regime de acumulação estatal que teve um período de ascensão nos anos 1970, se desestabiliza em 1980. Houve queda na produção industrial e nacional, bem como endividamento externo e diminuição dos investimentos. Juntamente com isso, a produção agrícola teve queda, sendo de – 1,4 em 1979.
A produção agrícola do país era realizada por camponeses (pequenos proprietários privados), cooperativas e empresas estatais. Os camponeses cultivavam, em 1983, cerca de 70% das terras aráveis, sendo, portanto, o setor de maior produção agrícola (RYDENFELT, 1987). O controle estatal sobre o conjunto da sociedade e da produção criava uma determinação sobre o preço das mercadorias em geral. É a determinação da política estatal. O modo de produção camponês estava subordinado ao capitalismo estatal. E, ao contrário do capitalismo privado, não é o capital bancário e comercial que lhe explora e sim o aparato estatal, o seu único comprador, financiador, etc. Quanto mais baixo os preços dos produtos agrícolas, menor é o valor da força de trabalho, o que significa que é interesse do Estado, para diminuir os gastos com salários dos operários e outros trabalhadores, reduzir os preços dos produtos agrícolas.
Os governos poloneses não têm sido capazes de impedir a inflação, incluindo aumentos de salários e rendimentos. Os preços dos alimentos, porém, têm sido mantidos estáveis por meio dos controles de preços. Como a inflação forçou as autoridades a aumentar os preços de entrega pelos camponeses, elas só são capazes de manter preços estáveis para o consumidor com o auxílio de subsídios estatais. A cada ano, a diferença entre os preços do produtor e os do consumidor tem aumentado, um desenvolvimento que exigiu subsídios cada vez maiores. Isto tem significado que o governo, confrontado com demandas cada vez maiores de recursos – fundos extremamente necessários para outros fins – como subsídios para alimento (RYDENFELT, 1987, p. 68).
Rydenfelt (1987) denominou isso de “preços políticos” ao invés de “preços de mercado livre”, o que é equivocado por realizar uma oposição de essência quando é apenas de grau. Em 1980, a crise da acumulação forçava a busca de resolução através do aumento da exploração da força de trabalho e diminuição do consumo (interno, o que em alguns setores poderia ajudar na exportação, o consumo externo, que atrairia recursos para o país). O aparato estatal é o principal produtor e vendedor de mercadorias[4] e o aumento de preços sem aumento de salários significa aumento de extração de mais-valor absoluto. O aumento da exploração, por sua vez, incrementa a acumulação de capital. A grande questão é que no capitalismo estatal o nível de consumo já é baixo e mesmo tendo dinheiro é possível não consumir, por causa das longas filas.
O anúncio em junho de 1980 do aumento de preços gera um novo movimento grevista[5]. As greves se fortalecem em julho e o governo concede aumentos salariais de 20 a 30%, o que ao invés de conter acaba expandindo o movimento grevista. O temor da burguesia burocrática polonesa é derivado do processo de luta de classes anteriores e das lutas operárias. No fundo, foi uma tentativa desesperada de conter o movimento. O movimento se amplia e são criados diversos comitês de greves. O processo inflacionário corroía os aumentos salariais e se espalha pela sociedade polonesa um processo de autonomização do proletariado. Em 14 de agosto, 17 mil operários, como protesto contra a demissão de Ana Walentyowicz, entram em greve no estaleiro naval “Lenine” Em 17 de agosto há a formação do Comitê Interempresarial de Greve (MKS), embrião do futuro Sindicato Solidariedade, que, no início, aglutinava 17 comitês de greve. Em 19 de agosto, o MKS coordena 88 empresas (região de Gdansk, Gdynia e Sopot) e no final do mês já coordenava mais de 300 empresas em diversas regiões do país.
Um conjunto de acontecimentos, desenvolvimento de novas organizações, ações, lutas, sendo que o governo se mostrava recuado e na defensiva. Nesse processo, muitos defenderam a tese de que haveria uma dualidade política (“duplo poder”, o que preferimos denominar “duplo governo) expressa pelo poder operário e pelo poder governamental. A força do MKS e a proliferação de greves, organizações, etc., são a justificativa para essa tese, incluindo a “lei seca” instituída pelo MKS, que foi atendida pelos trabalhadores. No entanto, a existência de um duplo governo só pode ser admitida no sentido de que o autogoverno operário era bastante frágil e parcial. As ocupações de fábricas, a partir da ideia de “greve ativa” (NASCIMENTO, 1988), não se compara ao processo no caso russo de 1917 e outros. As 21 reivindicações apresentadas em agosto mostram os limites do movimento operário polonês:
1 - Reconhecimento de sindicatos livres e independentes do Partido e dos empresários na base da Convenção num. 9/87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada pela Polônia.
2 - Garantia do respeito do direito de greve, da segurança dos grevistas e das pessoas que os ajudam.
3 - Respeito pelas liberdades de expressão e de impressão garantidas na Constituição, fim da repressão contra as publicações independentes, e acesso dos representantes de todas as Igrejas aos órgãos de comunicação social.
4 - A) Restabelecimento dos direitos das pessoas despedidas após as greves de 1970 e 1976 e dos estudantes excluídos do ensino superior por causa das suas opiniões políticas. B) Libertação de todos os prisioneiros políticos nomeadamente: E. Zadrozynski, J. M. Kazlowski a cessação das represálias por razões de opinião.
5 - Difusão pelos órgãos de comunicação social de informação sobre a criação da comissão de greve interfábricas e publicação das suas reivindicações.
6 - Lançamento de ações reais tendo por fim a saída do país da situação de crise, como por exemplo, difusão pública de todas as informações sobre a situação socioeconômica da Polônia. Concessão a todos os meios e camadas sociais da possibilidade de participar nas discussões sobre um programa de reformas.
7 - Pagar a todos os grevistas como durante os períodos de licenças.
8 - Aumento do salário de base de cada trabalhador em 2.000 Zlotys por mês, em compensação do aumento do preço da carne.
9 - Escala móvel de salários.
10 - Realização de um aprovisionamento pleno do mercado interno em artigos alimentares e limitação das exportações do excedente.
11 - Introdução de cartas de racionamento para a carne até a estabilização do mercado.
12 - Supressão dos preços comerciais e das vendas em divisas estrangeiras no mercado interno.
13 - Designação dos diretores de empresa unicamente sobre a sua qualificação e não sobre a filiação no Partido.
14 - Supressão dos privilégios da policia de segurança e do aparelho do Partido para a aposentadoria após trinta e cinco anos de trabalho. Aos cinquenta anos para as mulheres e aos cinquenta e cinco para os homens.
15 - Supressão das diferenças entre os dois sistemas de pensões e de reformas por alinhamento pelo mais favorável.
16 - Melhoria das condições de trabalho, dos serviços médicos, a fim de assegurar aos trabalhadores os serviços de que têm necessidade.
17 - Criação de creches e escolas maternais em número suficiente para os filhos cujas mães trabalham.
18 - Extensão da licença maternal paga para três anos.
19 - Limitação do tempo de espera para atribuição de apartamentos.
20 - Aumento de 40 a 100 “zlotys” das despesas de transferência e aumento do prêmio de transferência.
21 - Compensação, nas fábricas que trabalham a tempo integral, da inexistência de sábado livre pelo alongamento do período de licença ou pela introdução de dias feriados particulares.
As lutas operárias na Polônia, no período anterior, surgiram espontaneamente e conseguiram forjar formas de auto-organização, como o próprio MKS. No entanto, existia um setor autônomo do movimento operário convivendo com um setor influenciado pelas forças progressistas (KOR e outros), e um setor menor influenciado pelas forças conservadoras (nacionalismo, catolicismo)[6]. No bojo da luta, havia uma mistura de todos estes setores, e uma ampla parcela sem posicionamento mais sólido. Nesse contexto, o desenvolvimento da luta deveria avançar no sentido de aprofundar o desenvolvimento de uma consciência revolucionária, por um lado, e formas organizativas, por outro.
A situação era difícil, pois no capitalismo estatal existiam diversas organizações dizendo “representar” os trabalhadores, como o Estado, a igreja, os partidos, os sindicatos e até os conselhos operários oficiais[7]. A forma organizativa inicial foi o comitê de greve, uma organização autárquica voltada para a organização da greve e realização de reivindicações. O comitê de greve poderia e deveria ter se transformado em conselhos de fábrica e se articulado em conselhos operários, formando, através da articulação destes, uma associação ou união operária nacional. Esse processo avançou em alguns aspectos. Algumas comissões foram criadas e o MKS, enquanto Comitê de greve interempresarial, permitia uma articulação mais ampla dos trabalhadores.
No entanto, esse processo de auto-organização precisa ser acompanhado de um processo equivalente de autoformação. Se houver uma defasagem cultural em relação ao avanço organizacional, a possibilidade de retrocesso é muito maior. Nesse caso, tanto a classe dominante e seus aparatos, quanto outros setores da sociedade, especialmente a burocracia civil e intelectualidade, podem influenciar ou hegemonizar amplos setores do proletariado e das classes desprivilegiadas em geral. O processo de auto-organização é mais espontâneo, pois surge pelas próprias necessidades da luta, enquanto que o processo de autoformação tende a acompanhá-lo, mas sob forma mais lenta, ocorrendo, geralmente, depois de decisões tomadas e ações efetivadas, e nem sempre ocorre de forma homogênea em todos os participantes. No conjunto dos trabalhadores, há uma defasagem tanto no avanço organizacional quanto no desenvolvimento da autoformação.
Um outro elemento que pode beneficiar tanto o desenvolvimento de organizações autárquicas quanto desenvolvimento da consciência revolucionária é a ação externa, tanto pelo exemplo de outras lutas (que tem a tendência de gerar uma reação em cadeia, ou seja, a propagação das lutas), quanto pela sedimentação cultural oriunda de lutas anteriores e produção intelectual, geralmente realizada pelo bloco revolucionário. A propagação das lutas pode gerar um avanço organizacional, mas nem sempre a autoformação intelectual necessária, pois a consciência pode ficar no nível da organização existente, ou até aquém dela. As lutas cotidianas e espontâneas também podem avançar sem que o desenvolvimento da consciência se desenvolva no mesmo ritmo. O processo contrário também é possível, ou seja, em alguns casos há um desenvolvimento da consciência que não é acompanhado por um avanço organizacional.
No caso polonês, o contexto era totalmente desfavorável para o surgimento de um bloco revolucionário, bem como do desenvolvimento da consciência revolucionária. A hegemonia leninista, a confusão de marxismo e socialismo com o regime ditatorial, a ditadura e monopólio estatal dos meios de comunicação e meios de produção intelectual, entre outros aspectos já aludidos, dificultavam esse processo. Os elementos que contribuíam com esse processo era a memória das lutas passadas (especialmente as mais recentes, como as de 1970 e 1976) e a insatisfação com o regime ditatorial e as condições de vida. É por isso que as lutas espontâneas ocorriam com determinada facilidade. As greves antes de agosto são expressões desse processo de insatisfação e recusa e o que geralmente desencadeia um movimento: um agravamento da situação desfavorável de vida das classes trabalhadoras.
Isso gerou lutas espontâneas e autônomas que culminaram na constituição de várias organizações autárquicas que desaguaram no MKS e formas organizacionais similares. O MKS, como Comitê Interempresarial de Greve, era uma forma organizativa que reunia diversos comitês de greve, significando um avanço organizativo, não só por ser uma organização autárquica (auto-organização), mas também por articular diversas organizações autárquicas. O passo seguinte deveria ser a transformação dos comitês de greve em conselhos de fábrica e conselhos operários e o MKS em associação ou união operária aglutinando todos os conselhos autênticos em contraposição aos oficiais.
Esse passo, no entanto, não foi dado. A hegemonia no movimento oposicionista do KOR e outras organizações similares, intelectuais reformistas (progressistas e conservadores), a igreja, etc., acabou gerando a palavra de ordem equivocada de formação de “sindicatos livres”. Essa e outras reivindicações mostram a defasagem cultural diante do avanço organizacional.
O primeiro item das 21 reivindicações é justamente o “reconhecimento de sindicatos livres e independentes do Partido e dos empresários”. A ideia de sindicato é sempre de uma determinada organização similar ao existente no capitalismo privado, embora, na Polônia, por suas condições peculiares, se organizou de forma diferenciada, apesar do debate interno entre duas possibilidades (organização por profissão, no capitalismo privado, ou por região).
A segunda reivindicação aponta para o que Henri Simon (1985) denominou “humor involuntário”: o direito de greve. Terminar uma greve por ter o direito de greve assegurado é algo cômico. É o mesmo que trocar a realidade pela ilusão. Simon (1985), ao tratar do humor involuntário, chama a atenção para que o movimento operário já estava organizado e realizando greves e abre mão de suas exigências para realizar reivindicações sindicais. A greve é algo que já vinha sendo praticado na Polônia há muitas décadas e a exigência do “direito de greve” é uma necessidade de sanção estatal e, o que, simultaneamente, significa seu reconhecimento e legitimação. Nesse sentido, é um recuo do movimento. As demais reivindicações são no sentido de diminuir o poder e a arbitrariedade do mesmo ou então algumas demandas financeiras ou políticas mais gerais. As 21 reivindicações deveriam ter sido acompanhadas de exigências mais amplas e profundas, bem como integrar diversas outras (e retirar algumas, que acabam legitimando o capitalismo estatal e o aparato estatal). No entanto, o maior problema são a própria existência das 21 reivindicações. Sem dúvida alguma, as reivindicações são reformistas, endereçadas para o Estado e sem nenhum caráter revolucionário. Se as considerarmos como um momento da luta, no qual o proletariado ainda não desenvolveu em amplos setores uma consciência revolucionária, continuam problemáticas por causa do conteúdo das reivindicações.
Burocratização e Luta Cultural
O recuo do governo e o discurso sobre o atendimento das reivindicações (algumas reivindicações foram concedidas – e depois retiradas – e outras foram apenas prometidas) não fez as greves e ações deixarem de existir. Embora com menor força e contando com os apelos da igreja, KOR, MKS, para retomar o trabalho (SIMON, 1985), as greves continuavam. Em 22 de setembro é fundado o Solidariedade (Sindicato Autônomo Solidariedade). A formação do Sindicato Solidariedade significou um recuo organizacional, gerando mais uma burocracia civil. Tratava-se de uma burocracia informal, ainda não completa, pois lhes faltavam alguns elementos para completar sua burocratização. A ação da direção do Solidariedade foi voltada, desde então, para amortecer os conflitos de classes, conseguir espaços institucionais em confronto com a burocracia estatal, exigir algumas reivindicações dos trabalhadores e interesses próprios. Nesse momento, Lech Walesa começa a emergir como o “líder” do Sindicato Solidariedade e seus discursos não dão margem para duvidar de suas posições:
Não podemos imaginar na Polônia outro sistema social diferente do que existe atualmente. Queremos apenas que ele funcione sob a direção dos operários, a serviço dos operários, mas não queremos mudá-lo (WALESA apud. BRESSER-PEREIRA, P. 106-107).
Sempre fui o líder, como o bode que conduz o rebanho, como o boi que conduz o rebanho. As pessoas precisam desse boi, desse bode, caso contrário o rebanho vai por conta própria, aqui e ali, onde quer que haja um pouco de grama para comer, e ninguém segue o caminho certo. Um rebanho sem um animal para o conduzir é uma coisa sem sentido e sem futuro (WALESA apud SIMON, 1985, p. 31).
Nesse contexto, não surpreende que Jadwiga Staniszkis, membro do Sindicato Solidariedade, tenha afirmado que Walesa “tem um talento incrível para manipular as massas” (SIMON, 1985, p. 31)[8]. A figura de Walesa, no entanto, não deve ser superestimada. A sua ação foi importante, mas isso ocorreu por que tinha o apoio de setores da igreja, do KOR, e outros burocratas informais como ele no Sindicato Solidariedade, etc. Essa nova burocracia civil informal queria espaços institucionais e até substituir setores da burocracia estatal.
Esse processo provocou incertezas no POUP (Partido Operário Unificado Polonês) e gerou um setor reformista no mesmo, que usava a pressão social existente para realizar uma luta interburocrática. Esse setor, por sua vez, reforçava a ilusão para alguns da possibilidade de reforma do capitalismo estatal no sentido de sua democratização.
O Sindicato Solidariedade não era homogêneo. Por um lado, havia os novos burocratas que assumiam o controle do mesmo. Mas existiam outros grupos internos, como a Rede Autogestionária de Grandes Empresas e o setor mais radical composto pelos chamados “Grupo de Lublin” e “Grupo de Lódz” (NASCIMENTO, 1988). A Rede tinha propostas mais radicais que a direção do Sindicato Solidariedade, sendo que defendia a criação de um Partido Polonês do Trabalho e elaborou propostas de leis sobre autogestão. Houve um conflito inicial entre a direção sindical e a Rede, mas esta acabou sendo aceita oficialmente no interior do mesmo. O Grupo de Lublin lançou discussões sobre autogestão e conselhos operários, e apoiou os materiais produzidos pela Rede. Realizou conferências e manteve um maior contato e afinidade com as “bases” do Sindicato Solidariedade. O Grupo de Lódz defendeu a greve de ocupação ativa, a autogestão e os conselhos operários, bem como defendeu a tese da representação da autogestão no parlamento através da criação de uma “câmara autogestionária” (NASCIMENTO, 1988).
Para entender esse processo é fundamental compreender a luta cultural que se desenvolvia na Polônia nesse momento. A hegemonia leninista e o contexto cultural já aludido dificultava a criação de um bloco revolucionário, o que geraria um setor da intelectualidade e da juventude, por mínimo que fosse, que apontasse para uma real concepção autogestionária. Por isso, o bloco progressista que comandava o Sindicato Solidariedade, seus grupos internos e adjacências, gerava novas formas de deformação do pensamento marxista e das necessidades e interesses do movimento operário[9]. Isso pode ser visto nos termos utilizados, que parecem extremamente avançados e de acordo com os interesses de classe do proletariado, mas que ganham um significado distinto naqueles que os utilizam.
Isso é visível com o termo “autogestão”. Esse termo assume um significado que não é o mesmo que emergiu no Maio de 1968 na França e desenvolvido pelo marxismo autogestionário posteriormente[10]. O MKS e depois o Sindicato Solidariedade entendiam “autogestão” como algo no interior de outras propostas, como “democracia” e “pluralismo”. Autogestão significava, geralmente, “auto-organização” ou “controle operário” nas fábricas. Assim, um “sindicato autogerido” seria auto-organizado e isso significaria sem a ingerência do Estado, partidos e sindicatos oficiais. Assim, a concepção totalizante de autogestão, apontando para uma forma de sociedade, é substituída por uma simples organização autárquica ou então o mero controle dos trabalhadores sobre a fábrica, como se observa nas constantes reivindicações de poder de demitir os diretores das mesmas (o que significa a permanência da existência de diretores). A “democracia” seria o complemento necessário e que, mesmo quando afirmava se distinguir da democracia burguesa ou ocidental, não mostrava nada de diferente concretamente. A democracia é um regime político no qual a burocracia não é autocrática, como no capitalismo estatal, e sim democrática, como no capitalismo privado, sendo que o processo eleitoral é uma de suas principais características. A defesa do “pluralismo” revela não somente a vontade de manter as concepções hegemônicas e católicas, ao lado das progressistas e supostamente das demais, como também revela o que os seus partidários não dizem: a existência da divisão de classes e de interesses que geram a diversidade de posições políticas.
Aqueles que mais avançaram e foram além da exigência do controle operário nas fábricas e/ou da auto-organização, chegaram, no máximo, a defender uma “câmara autogestionária”, convivendo com a burocracia estatal e seus organismos burocráticos. Essa câmara autogestionária significaria, no máximo, um novo espaço para uma nova burocracia. Nesse sentido, a oposição entre os situacionistas e os oposicionistas no Sindicato Solidariedade era mais uma disputa de duas tendências reformistas, sendo uma mais dirigista e outra mais basista, mas nenhuma revolucionária e/ou autogestionária.
A suposta aliança entre operários e intelectuais não existiu efetivamente. O que ocorreu foi que a intelectualidade dissidente espalhou, da forma como pôde, críticas e propostas (como os sindicatos independentes) e isso teve certa ressonância em setores do proletariado que se tornou uma defensora de algumas dessas teses no interior do movimento operário. A formação de novas organizações, autárquicas, geravam novas formas de divulgação de ideias, mas a formação da burocracia informal dos sindicatos, acabou gerando um processo de aproximação entre esta e setores da intelectualidade.
No fundo, a direção do Sindicato Solidariedade acabou utilizando os intelectuais do KOR como conselheiros e consultores, o que gerou resistência de alguns setores no interior do Sindicato. Assim, se houve alguma aliança, não foi entre intelectuais engajados (revolucionários) e operários, e sim entre intelectuais reformistas e burocratas informais saídos da classe operária. As condições concretas da sociedade polonesa impediuimpediram o surgimento de um bloco revolucionário e, por isso, pouquíssimos intelectuais e juventude não proletária poderia aderir a um verdadeiro projeto autogestionário antes de um processo de autonomização do proletariado. O problema é que nem depois surgiu, pelo menos que tenha se tornado conhecido, nenhuma organização ou grupo que fosse expressão política ou teórica do proletariado polonês.
A Luta Continua
Em 1981, as lutas espontâneas e autônomas, dependendo do lugar, são retomadas, bem como greves e ações diversas dos trabalhadores. “A partir de março, ações autônomas começaram a se espalhar nos mais diversos domínios” (SIMON, 1985, p. 47). Os camponeses avançam em suas lutas por suas próprias reivindicações (SIMON, 1985). Em certos lugares, algumas greves foram evitadas, através das ações de Walesa, Kuron, representantes da igreja, entre outros. Em julho, inicia uma série de manifestações de rua. Esse processo durou todo o ano de 1981 e foi marcado por um distanciamento crescente entre o Sindicato Solidariedade e o movimento operário, bem como marcado pela dissidência interna no mesmo[11] e diversas lutas interburocráticas também no aparato estatal. No fundo, a maioria dos jornais e das notícias e análises focalizavam o Sindicato Solidariedade e o aparato estatal[12]. A repressão seletiva em relação aos trabalhadores convivia com a tolerância em relação ao Sindicato Solidariedade. Um amplo movimento grevista sacudiu a Polônia no segundo semestre de 1981 e diversas outras ações, incluindo fuga de prisões. Segundo Simon (1985, p. 51), “A onda de greves deixou impotentes não só a classe capitalista, mas também o Solidariedade (no qual alguns líderes do Partido tinham depositado suas esperanças)”.
O golpe de estado de dezembro de 1981 ocorreu devido à incapacidade da burocracia estatal, especialmente o governo e o partido, e também do Sindicato Solidariedade, em conter as lutas operárias e de outros setores, especialmente os camponeses (cerca de 30% da população polonesa). No entanto, se tal golpe de Estado, no qual a burocracia militar assumiu a burocracia governamental, ocorreu e eliminou os “intermediários” (Sindicato Solidariedade), não eliminou a luta operária que manteve-se durante o ano de 1982 e ainda com resquícios em 1983, apesar da repressão estatal. As lutas assumiram forma diferente a partir de 1982:
Em 1982 e 1983, a atividade da classe trabalhadora ocorreu em grande parte nas ruas e nas empresas. Às vezes é difícil distinguir as lutas sociais das especificamente políticas [institucionais – NV]. Vimos que meses antes do golpe de dezembro de 1981, as ações de base se dissociavam da atividade cada vez mais política do Solidariedade – resultado da dialética capital-trabalho. A repressão, que parecia dirigir-se igualmente contra a organização do Solidariedade e as ações dos trabalhadores em dezembro (embora as punições diferissem muito em grau), fazia parecer que o aparato sindical e os militantes estavam mais uma vez unidos em uma luta comum, no qual os interesses específicos dos trabalhadores coincidiam com os do aparato sindical desmantelado. Por algum tempo, a organização clandestina tentou se reconstituir e afirmar seu poder e credibilidade. Só poderia fazê-lo recorrendo ao movimento de base e tentando envolvê-lo em lutas fabris ou manifestações de rua que tivessem objetivos úteis para a sobrevivência do Solidariedade como organização, mas que também pudessem parecer defender os ganhos dos trabalhadores desde julho de 1980. A partir daí, o programa daqueles que se constituíram como administradores provisórios clandestinos estava claramente orientado para a aquisição de autoridade (libertação de prisioneiros e anistia, reintegração do Solidariedade e diálogo com o governo), enquanto que as ações de base continuaram a ser motivadas pelas condições de exploração. No início de 1982, era óbvio que a massa de trabalhadores estava revivendo uma organização de base, o que existia antes do golpe de dezembro, e que os comitês clandestinos, tentando coordenar a luta, achavam que haviam recuperado seus fiéis seguidores. Assim, compreensivelmente, esperava-se que esses comitês fossem seguidos quando deram um caráter político óbvio às manifestações, ações de fábricas e greves que organizavam a intervalos regulares e que tinham como objetivo principal o reconhecimento do Solidariedade como porta-voz da reforma da economia capitalista. Mas a situação era radicalmente diferente da do verão de 1980. Então, um movimento de massas trouxe o Solidariedade à vida; agora o Solidariedade queria criar um movimento de massa para ressuscitar (SIMON, 1985, p. 76-77).
Assim, segundo Simon, as lutas políticas institucionais dos adeptos do Sindicato Solidariedade apareciam mais que as lutas operárias. Sem dúvida, as lutas operárias, pela própria condição de classe do proletariado, continuavam, sob várias formas (absenteísmo, operação tartaruga, etc.), bem como lutas espontâneas mais amplas. No entanto, o aparato repressivo impedia a manifestação da luta das classes fundamentais na precária sociedade civil polonesa, na qual as tendências reformistas (KOR e Sindicato Solidariedade, agora na clandestinidade) e conservadores (Igrejas e adjacências) apareciam debilmente, realizando uma luta no interior das classes privilegiadas, mas sem grande ressonância e com predomínio quase que absoluto da burguesia burocrática.
Revolução e Autogestão na Polônia?
Houve uma experiência autogestionária na Polônia? Essa ideia é defendida por muitos e até os títulos das obras sobre o ocorrido na Polônia entre 1980 e 1981 é acompanhado pelos termos “autogestão” e “autogestionário”. Essa experiência histórica também é chamada de “revolução”. Houve uma revolução? Houve uma experiência autogestionária? Vamos fazer algumas breves considerações sobre isso.
O que caracteriza uma revolução e uma experiência autogestionária? Já discutimos isso antes (VIANA, 2017) e por isso nos contentaremos com uma breve definição. Uma revolução é um processo no qual há uma transformação radical e total de uma sociedade, alterando o modo de produção e as formas sociais que lhes são correspondentes. No entanto, o momento fundamental da revolução é quando ocorre a ruptura, ou seja, quando há uma mudança drástica na sociedade que marca tal transformação e não ela em sua totalidade, que é composta por vários momentos. Assim, uma revolução possui vários momentos antes e depois da ruptura.  
No caso das revoluções no interior da sociedade capitalista, o que historicamente ocorreu foram revoluções proletárias inacabadas. É preciso compreender que uma revolução proletária se inicia com a autodeterminação de classe, ou seja, quando o proletariado passa de classe determinada para autodeterminada. Nesse momento, o proletariado coloca o objetivo da transformação social radical, ou seja, a abolição do capital (e, por conseguinte, dos seus aparatos burocráticos), materialização da autogestão ou, esboçando essa autogestão concretamente. O que ocorreu, no caso polonês, foi apenas esse primeiro momento. O momento seguinte, da ruptura, bem como o momento final, da destruição completa do capital e aparato estatal, não se concretizou. Por isso foi mais uma revolução proletária inacabada. Apenas o primeiro momento da revolução proletária ocorreu, e ainda de forma rudimentar e precária, que pôde ser vista nas organizações autárquicas do proletariado, bem como setores mais avançados que apontaram para o projeto autogestionário.
Nesse sentido, a revolução polonesa, uma revolução proletária inacabada, foi uma experiência autogestionária, incipiente e precária, na qual se desenvolveu diversas formas de organizações autárquicas (auto-organização), incluindo sua articulação regional (MKS) e possibilidade de articulação nacional. Sem dúvida, para os entusiasmados defensores da experiência polonesa que a qualificam como “autogestão” ou “autogestionária”, os discursos do Sindicato Solidariedade, de suas adjacências e dissidências, garantem que foi uma grande experiência de autogestão. No entanto, isso apenas se esboçou e os discursos dos reformistas não apontavam para uma autentica autogestão (e até os dissidentes apontavam para isso no caso de suas críticas à direção do Sindicato Solidariedade, mas avançando pouco e mostrando que, no fundo, também não ultrapassavam o reformismo e não chegavam a um projeto autogestionário autêntico). Indo além dos discursos dos reformistas e sua deformação da ideia de autogestão, o projeto autogestionário se manifestou em alguns meios operários e de forma mais radical e ampla do que no interior da intelectualidade e burocracia sindical informal.
Em síntese, o que ocorreu na Polônia foi uma revolução proletária inacabada que foi mais uma experiência autogestionária, muito embrionária, que foi derrotada, mais uma vez, pela contrarrevolução comandada pela burguesia burocrática e que, no bojo da luta de classes, teve o obstáculo representando pela intelectualidade reformista e pela burocracia sindical informal. Esse foi mais um capítulo da história do proletariado em sua luta pela autoemancipação e emancipação humana, que mostra a tendência e gera o aprendizado com suas lutas do passado não para gloriá-las e endeusá-las, mas para aprender com o seu inacabamento e reforçar a sua tendência de acabamento.
Considerações Finais
As lutas de classes na Polônia no início dos anos 1980 ocorreram num contexto específico e só no interior do mesmo pode ser explicado. A burguesia burocrática buscava manter o seu poder e domínio e o bloco progressista, composto por intelectuais reformistas (e não todos os intelectuais), aspirantes a burocratas (e, posteriormente, burocratas informais) e setores do proletariado que se tornaram sua zona de influência, buscava a “democratização”, ou melhor, usar o proletariado para gerar uma nova repartição o poder. Ao mesmo tempo, tinha que combater a ala oposicionista do bloco dominante, os setores conservadores da Igreja e outros pró-privatistas (a favor do capitalismo privado) e os setores das classes desprivilegiadas sob sua zona de influência (incluindo camponeses). Além disso, ainda havia o proletariado, que efetiva suas lutas espontâneas e autônomas, dependendo do momento, e sem o apoio de um bloco revolucionário, praticamente inexistente nesse país, pelas condições aludidas anteriormente.
Nesse contexto, extremamente desfavorável para brotar uma revolução proletária, as lutas autônomas se desenvolvem e esboçam lutas autogestionárias. Uma das determinações desse processo reside na própria luta e desenvolvimento do proletariado, que tende para a autogestão por sua condição de classe. Outra foi a crítica do regime capitalista estatal, que aparecia como “regime burocrático”, ou “sistema de poder”[13], para o bloco progressista, que era a sua forma de crítica e possibilidade de propor reformas em seu benefício. Daí sua necessidade de se opor à “burocracia” (seja entendida como classe ou camada, dependendo de quem fazia a crítica) e para atrair o proletariado levantar as palavras de ordem da “organização livre e independente” (geralmente sindicatos, mas ocasionalmente conselhos operários e outras organizações, sendo que os setores mais radicais apelavam mais constantemente para “autogestão”, “conselhos operários”, etc.). Certos setores do proletariado em luta reinterpretaram adequadamente a ideia de autogestão, mas não foram acompanhados pelo conjunto do proletariado.
Nesse contexto, reaparece a importância da luta cultural e de um bloco revolucionário para contribuir com a luta proletária e reforçar a força do seu setor mais avançado. Em todas as revoluções proletárias inacabadas existem diferenças no desenvolvimento da consciência do proletariado, com setores que radicalizam mais, avançam mais no sentido autogestionário, e outros que ficam no plano de lutas autônomas e alguns no das lutas espontâneas, além daqueles que se limitam a lutas institucionalizadas, caindo sob zona de influência do bloco progressista. Em certos países e condições históricas isso é mais grave, devido às divisões regionais, tamanho da nação, divisões sociais produzidas ou intensificadas pela hegemonia burguesa, etc. O caso alemão (1918-1923) foi exemplar nesse sentido, o que foi derivado de sua unificação tardia. A unificação do proletariado é elemento fundamental para a revolução autogestionária e deve ser compreendida não apenas no plano organizacional, mas também no plano cultural.
No caso polonês, o proletariado se dividiu em diversos setores e os mais avançados conviveram com os demais e a força do bloco progressista no seu interior. O setor mais avançado, que chegou espontaneamente ao projeto autogestionário, não conseguiu e nem buscou instaurar uma hegemonia proletária no interior das classes desprivilegiadas, e não contou com apoio externo, pela quase inexistência de um bloco revolucionário.
Assim, a contrarrevolução foi facilitada pela incapacidade e falta de força do bloco progressista de reagir e pela dificuldade de uma reação proletária em amplas proporções. Alguns momentos da luta foram favoráveis, como em junho de 1980 e certos momentos de 1981, mas o bloco progressista, a repressão estatal e a hegemonia burguesa (no caso, da burguesia burocrática), pesaram na balança contra a efetivação dessa possibilidade. De qualquer forma, foi mais uma luta proletária que apontou, mesmo que modestamente, para a autogestão social, o que é mais significativa se levarmos em conta o contexto desfavorável. A Polônia continua existindo, agora sob um capitalismo diferente, e novas lutas emergem constantemente e por isso a tendência de desencadeamento de uma nova tentativa de revolução proletária existe e é a luta de classes nesse país e no mundo que poderá concretizá-la.


Referências

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. 1980/81: A Revolução Autogestionária na Polônia. In: VENOSA, Roberto (org.). Participação e Participações. Ensaios sobre Autogestão. São Paulo: Babel Cultural, 1987.

CLAUDÍN, Fernando. A Oposição no “Socialismo Real”. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

DRABIK, Grazyna e FERNANDES, Rubem César. Polônia: O Partido, A Igreja, O Solidariedade. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.

GUILLERM, Alain e BOURDET, Yvon. Autogestão: Mudança Radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

MODZELEWSKY, Karol e KURON, Jacek. Revolucion Politica o Poder Burocratico I. Polônia. Buenos Aires: Ediciones Pasado y Presente, 1971.

NASCIMENTO, Cláudio. Rosa Luxemburgo e Solidarnösc. Autonomia Operária e Autogestão Socialista. São Paulo: Edições Loyola, 1988.

PANKÓW, Wlodzimierz. Verão Polonês 1980: A Crise do Sistema de Poder. São Paulo: Edições Loyola, 1983.

RYDENFELT, Sven. Crise nas Economias Socialistas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

SIMON, Henri. Poland: 1980-1982. Class Struggle and the Crisis of Capital. Detroit: Black & Red, 1985.

VIANA, Nildo. As Experiências Autogestionárias. In: CUNHA, Elcemir (org.). Crítica Marxista da Administração. No prelo, 1917.









[1] A nomenclatura possui o mesmo papel nos demais países capitalistas estatais (PANKÓW, 1983) e é a forma pela qual o partido realiza o controle do aparato estatal e mais intensamente que a burguesia privada realiza no capitalismo privado. Ela define cargos, salários, etc. decidindo quem serão os burocratas centrais e os principais burocratas em outras instâncias da sociedade. Geralmente um mesmo burocrata ocupa vários cargos burocráticos em distintas instituições estatais (burocracia governamental, partidária, etc.).
[2] “Em Lódz, os conselhos operários, no final de 1957, existiam em 80% das fábricas têxteis. Pouco a pouco, a noção de conselho operário toma corpo e chega à elaboração de um projeto de estatuto, logo divulgado pelo Po Prostu” (NASCIMENTO, 1988, p. 23).
[3] Surgiram também organizações que expressam o catolicismo e o nacionalismo, tal como nesse exemplo: “em março de 1977 se cria o Movimento pela Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (ROPCIO), com a publicação mensal Opinia como porta-voz. Situa-se à direita do KOR e é uma das expressões políticas da oposição católica, combinando-se, na sua ideologia, elementos progressistas e conservadores” (CLAUDÍN, 1983, p. 243).
[4] Mesmo o preço de produtos agrícolas, pois é o aparato estatal que vende e determina o preço ao consumidor e é ele o vendedor das mercadorias para os trabalhadores e ao mesmo tempo o seu empregador, ou seja, o responsável pelos seus salários. Se ele aumenta o preço ao consumidor, então gasta menos com “subsídios”, principalmente se não aumento o preço pago ao produtor. Esse aumento do mais-valor absoluto significa, entendendo que se trata de toda sociedade polonesa e não apenas uma empresa, um quantum elevado no conjunto do mais-valor global. No capitalismo privado, um capitalista aumentar os preços dos seus produtos pode atingir apenas trabalhadores de outras empresas, mas no capitalismo estatal, que possui um “patrão único”, para recordar Pannekoek (1977), então ele atinge seus próprios trabalhadores.
[5] “Quando se soube, no dia 1º de junho, que o governo decidiu aumentar drasticamente os preços dos artigos alimentícios, especialmente a carne, começaram imediatamente as greves, tal como em 1970 e 1976” (CLAUDÍN, p. 255).
[6] Estes setores foram reforçados pela visita de João Paulo II em 2 de junho de 1979 e pelas campanhas e ações da igreja polonesa e grupos nacionalistas, conservadores. A respeito de três grandes organizações burocráticas atuando na Revolução Polonesa, o POUP, a Igreja e o Sindicato Solidariedade, há um conjunto de documentos e textos, embora insuficientes e sem maior análise crítica, em obra organizada por Drabik e Fernandes (1984).
[7] Os conselhos operários oficiais surgiram das lutas proletárias do passado, mas foram institucionalizados. As empresas possuíam conselhos operários (na verdade, conselhos de fábrica). A empresa “Comuna de Paris”, em Varsóvia, tinha um quadro composto por 34 membros representantes do “conselho de fábrica”, 11 representantes do Comitê de Empresa (na verdade, do POUP, o partido comunista polonês) e 20 representantes do sindicato. Assim, a impressão é de que o conselho de fábrica detinha a maioria, mas, no entanto, o partido possuía muitos membros tanto no “conselho de fábrica” quanto no Comitê de Empresa do Sindicato e este, no fundo, era aparelhado pelo partido.
[8] A respeito do General Jaruzelski, que era ministro da defesa e se tornou chefe de governo em fevereiro de 1981, Lech Walesa disse o seguinte: “A Polônia precisa de um governo forte, um governo capaz de governar e Jaruzelski pode fazê-lo. Porque ele é um soldado, um general, portanto, acostumado a dar ordens e impor disciplina sobre os outros e sobre si mesmo. Como um soldado, ele também deve ter as mãos limpas que são necessárias para limpar o país de bastardos com as mãos sujas. Devemos deixá-lo trabalhar” (SIMON, 1985, p. 44).
[9] Isso é visível, por exemplo, em Kuron e Modzelewski (1971), e as citações das declarações do primeiro apontam para suas posições políticas e em tal obra, apesar de ver, confusamente, um capitalismo de Estado na Polônia (numa oposição entre “burocracia” e “classe operária”, demonstrando não compreender que as relações de produção capitalistas são entre a burguesia e o proletariado e se for outra classe dominante, então não seria mais um modo de produção capitalista, entre diversos outros equívocos), mostra com suas propostas que nunca apontam para uma real revolução, nem quando trata de “sistema de conselhos operários”, no qual apresentar apenas propostas de reformas (além da existência de supostos “conselhos operários”, pluralismo partidário, etc.). É revelador o seu caráter de expressão ideológica da intelectualidade, como classe social, ao dizer que no regime burocrático essa classe é privada de liberdade, o que mudaria com a “democracia operária” (o regime reformulado): “Todo sistema fundado na escravidão do operário priva, de uma maneira ou de outra, a intelligentsia de sua liberdade. Só a emancipação da classe operária poderá mudar essa situação. Por sua própria natureza, a democracia operária pode garantir à intelligentsia uma liberdade muito mais ampla do que é possível na mais parlamentar das repúblicas burguesas – ou no mais ‘moderno’ dos reinos dos gerentes” (KURON e MODZELEWSKI, 1971, p. 153). Aqui se fala de “democracia operária”, e não passa disso o programa dos reformistas, pois significa apenas democratizar o capitalismo estatal, aumentar espaços para a classe operária, para que isso aumente espaços para a intelectualidade. Não se trata de propor autogestão social, uma nova sociedade, e sim reformar a velha ganhando espaços no seu interior. Assim como a burguesia precisou e lançou mão do proletariado nas revoluções burguesas, a burocracia se colocou como sua vanguarda para realizar as contrarrevoluções burocráticas que instauraram o capitalismo de Estado e depois age em seu nome como burguesia burocrática, a intelectualidade, nesse regime, também busca usá-lo em sua luta com a burocracia (burguesia burocrática) para defender seus interesses. O problema é que a intelectualidade, por sua posição na divisão social do trabalho, é muito frágil para querer se opor, seja à burguesia ou à burocracia, e só lhe resta buscar o apoio do proletariado e, ainda, reforçar outras organizações burocráticas, tal como a burocracia civil informal do Sindicato Solidariedade.
[10] Esse é o caso, especialmente, de Guillerm e Bourdet (1976), na França.
[11] “Durante os últimos seis meses de 1981, a crescente ruptura entre a liderança e a base polarizou o Solidariedade. Um dos lados procurava cada vez mais o apoio do governo capitalista, desde que a posição do sindicato fosse assegurada; O outro lado tentou expressar as aspirações do movimento de base. Alguns, como Gwiazda, favorecendo o controle estrito do trabalhador sobre as decisões; outros, como os líderes regionais de Lódz e Lublin, indo mais longe com suas propostas para greves ativas e pelo controle da economia por meio de ligações horizontais” (SIMON, 1985, p. 64).
[12] Bresser Pereira (1987), economista e ex-ministro brasileiro por duas vezes, viajou para a Polônia acompanhado de, entre outros, Eduardo e Marta Suplicy, e saudou a revolução polonesa como a “primeira revolução dos trabalhadores da história da humanidade” e destacou seu caráter autogestionário e de negação da “tecnoburocracia”. Ele que, anteriormente, desenvolveu a tese do “modo de produção tecnoburocrático” realizou uma interpretação da revolução polonesa como antitecnoburocrática – assim como outros colocaram antiburocrática – apesar de citar trechos de Walesa, Kuron e outros, que afirmavam não ser contra o regime e querer sua democratização. O que não é explicado no texto é como uma revolução comandada pelo Sindicato Solidariedade e que queria apenas democratização poderia ser autogestionária e antitecnoburocrática. Não deixa de ser curioso ver como os intelectuais (e temporariamente burocratas) não conseguem, nem usando termos autogestionários, ir além da burocracia. A afirmação de que foi a “primeira revolução dos trabalhadores na história da humanidade” carece de fundamentação e sentido. A razão da afirmação é que tal revolução teria sido feita por trabalhadores. Nesse caso, a primeira revolução proletária foi a Comuna de Paris, em 1871. Além disso, Bresser Pereira parece não compreender que a burocratização pode começar a partir do interior da classe ou do exterior, embora esse último caso seja o mais comum. Na Revolução de Fevereiro na Rússia, também foram os trabalhadores que espontaneamente formaram os conselhos operários e implantaram o duplo governo e a derrota só ocorreu com a chamada “Revolução de Outubro”, com a burocracia partidária bolchevique realiza sua fusão com a burocracia estatal. No caso polonês, a revolução se inicia espontaneamente com a luta proletária, mas logo a burocracia informal representada pelos “sindicalistas independentes” que emergem do próprio proletariado e intelectuais buscam hegemonizar o movimento revolucionário. Bresser Pereira entrevista alguns intelectuais e burocratas informais saídos da classe operária (como Lech Walesa) e pensa estar entrevistando trabalhadores. Certamente ele não teve acesso a nenhum operário no sentido autêntico do termo.
[13] Basta consultar Panków, Modzelewsky e Kuron, para ver o foco na questão política e reforma do Estado (não se fala em sua abolição e sim em sua “democratização”) e nunca se toca nas relações de produção, mesmo quando elas são abordadas (como no caso de Modzelewsky e Kuron). Assim, como em toda luta interburocrática, e basta ver a ampla produção trotskista a respeito da “revolução política”, apenas superestrutural, ou as lutas interburocráticas na China de Mao Tse-Tung, para entender que o seu foco sempre será o domínio do aparato estatal e nunca as relações de produção e sempre será para trocar os burocratas burgueses do capitalismo estatal e nunca abolir a burocracia e o Estado.

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